Muitas vezes usamos expressões racistas sem nm perceber. O racismo, preconceito contra pessoas negras e indígenas, é estruturante no Brasil. Isso quer dizer que as nossas ações, formas de pensar, e maneiras de enxergar o mundo são condicionadas pelo racismo. E que a política, a economia e a cultura também são, porque tudo isso é feito por nós, pessoas.

Quem fala muito bem de racismo estrutural é o professor Silvio Almeida! Ele tem um canal no youtube com várias lives, tanto entrevistando pessoas importantes para a construção de teorias e paradigmas antirracistas, quanto artistas e criadores. Além disso, Silvio escreveu o livro “Racismo Estrutural” da coleção Feminismo Plurais de Djamila Ribeiro.

Como mulher negra, passei parte da minha vida precisando entender e assimilar que teria que trabalhar mais, estudar mais, e correr mais para chegar em um mesmo patamar que pessoas brancas, por exemplo. Tudo o que precisamos é de oportunidades com mais equidade, e que nossas diferenças sejam valorizadas!

Morar no centro também fez tudo isso ficar mais latente e aparente. Antes, no ambiente familiar, o racismo chegava de outra forma. Mas, foi no meu processo de mudança que notei que ele permeava a minha cabeça, e a maneira como eu me via no mundo e entendia minha trajetória.

Você também gosta da idéia de morar no centro? Vem dar uma olhada nos nossos apartamentos!

Por isso, trouxe aqui 03 expressões racistas que você já deve ter falado na vida, que mostram como o nosso mundo funciona e denunciam o que precisamos mudar. Borá conhecer e se conscientizar?

Pé na cozinha

Dificilmente a gente irá encontrar no Brasil uma pessoa negra que nunca tenha escutado essa expressão. A famosa “pé na cozinha” explica M-U-I-T-O do nosso país e do processo de colonização.

Dando uma atualizada pra quem pegou o bonde andando, a colonização foi um processo físico, espiritual e mental, de conquista e escravização de território e pessoas, feito por pessoas brancas europeias. No Brasil, ela iniciou em 1500 com a chega de Pedro Álvares Cabral e sua tropa portuguesa. A gente cresce com a história de ao chegar aqui, os colonizadores deram um espelho para os indígenas e em troca receberam terras, acolhimento, comida, é mentira. Nossa história é permeada de muita luta e resistência dos povos originários e, depois, dos povos negros.

A vinda dos africanos para o Brasil, através da escravidão, foi impactante e até hoje vivemos resquícios e consequências do regime escravocrata. Na escravidão, os negros eram separados de suas famílias e trabalhavam de forma forçada nos engenhos, nas fazendas e nas plantações. A estrutura colonial era formada por uma casa, que embaixo, ou perto ao lado, tinha uma senzala, lugar que as pessoas negras ficavam, dormiam, comiam e criavam seus afetos. A senzala era escura, úmida e sem qualquer tipo de proteção ou conforto.

Nas casas, algumas mulheres negras eram colocadas na cozinha, para preparem comidas aos senhores e às senhoras. Graças a essas mulheres e ao povo africano e seus descendentes, nós temos comidas variadas e deliciosas. Com a sabedoria indígena, e com a vastidão de ingredientes africanos, faz parte da nossa alimentação o peixe, a moqueca, o acarajé, a farinha de milho, a pamonha, o arroz, o feijão, a feijoada, o azeite de dendê, a pimenta, o quiabo, a batata doce, o inhame.

E por ter esse trabalho forçado na cozinha, durante a escravidão, se popularizou a expressão “pé na cozinha”, dita normalmente a meninas negras que gostam de cozinhar. “Pé na cozinha” significa que essa pessoa negra tem ancestrais negras que eram escravizadas da casa, e que por conta disso, deste trabalho forçado e dessa herança, essa pessoa gosta de cozinha e sabe fazer isso muito bem.

“Pé na cozinha” rememora e reafirma a época da escravidão, mostrando que pessoas negras hoje ainda estão associadas ao trabalho força e violência. Eu sou uma pessoa negra que ama cozinha, gosto mesmo! Ainda vou fazer um texto só com receitas fáceis para quem mora sozinho. E não é porque eu tive tataravós escravizadas que está em mim o amor pelo fogão, mas sim porque há em mim uma sabedoria ancestral, vinda de outro continente, que ainda corre no meu sangue.

Recomendo você assistir o documentário “Da África aos EUA – uma jornada gastronômica”, que conta sobre a importância da culinária africana na gastronomia estadunidense! É no Netflix, em formato de série.

Criado mudo: faz parte das expressões racistas

Essa é da boca do povo, por assim dizer. “Criado mudo” é uma expressão tão comum, que eu demorei muito para entender que é sim racista e que já da pra tirarmos do nosso vocabulário.

As pessoas negras vinda na escravidão eram criados, e fazia parte da opressão feita pelos colonizadores, separar essas pessoas de suas famílias e amigos, impedindo assim que eles se comunicassem ou construíssem laços de forma mais fácil. Negros e negras eram colocados e colocadas com diferentes povos, e até mesmo povos inimigos, dificultando assim estratégias de resistência e a comunicação.

A língua é uma parte fundamental de qualquer cultura e comunidade. É a partir dela que nos identificamos, expressamos nossos sentimentos e pensamos. Língua e pensamento são faces da mesma moeda, e por isso fazia parte da colonização tirar isso dos povos negros. Ter um criado mudo era o sonho dos europeus colonos.

Assim, por que não chamar o móvel em que apoiamos coisas de “criado mudo”? Fazendo alusão assim a escravidão e a ideia de que precisamos de alguém que sirva, que esteja em posição inferior. Nesse caso, o alguém deixou de ser uma pessoa negra – em alguns casos, hoje ainda temos trabalho escravo – e passou a ser um móvel. Madeira e prego que ainda carregam a história racista do Brasil.

Meu pai, um homem negro arquiteto e marceneiro, fez todos os móveis da minha casa. Ele montou tudo e deixou do jeitinho que eu sempre sonhei! E nesse processo de mudança, nós tivemos que desenhar o quarto e a parte da cama. Então me atentei a como dizia para ele que queria uma mesinha de apoio lateral. Óbvio que falar “mesinha de apoio lateral” demora bem mais do que dizer “criado mudo”, ou fica mais lento entender o que se quer falar, mas mesmo assim, é uma forma da gente ir mudando o vocabulário, deixando de usar expressões racistas.

 

Neguinho acha que....

Mas, a mais clássica de todas as expressões racistas é essa. Está bem... Não consigo dizer qual expressão racista é mais falada pelo brasileiro, mas colocaria minha mão no fogo por essa. Bem, vou contextualizar aqui um pouco do porquê “neguinho acha que...” é uma herança racista que podemos mudar, pra ontem!

Com o processo de escravidão, surgiu o processo de se construir a imagem do negro no Brasil. Sempre reservadas a espaços de subalternidade, sem afeto e com muita violência, seja física, espiritual ou estética, as pessoas negras foram construídas como delinquentes, ladrões e foras da lei. Tivemos a criminalização da capoeira, através de leis que proibiam essa expressão cultural de ser feita, pois é de origem africana! Depois, a criminalização do samba, outra expressão cultural, mas também fonte de resistência de muitas comunidades negras, que através do samba conseguiram se manter vivas, fortes e presentes no mundo de hoje. E atualmente, temos a constante luta contra a criminalização do funk, constantemente associado a pornografia, tráfico de drogas e crime. O funk, assim como capoeira e o samba, é uma expressão artística de alta relevância para pessoas negras, que também representa renda, ascensão social, sentimento comunitário e revolta.

A criminalização então sempre fez parte da história da população negra. Não é à toa que quando falamos de um jovem negro que estava com 5 gramas de alguma droga ilícita, falamos ladrão, mas quando se trata de um jovem branco, falamos apenas rapaz. É uma das estratégias coloniais utilizadas até hoje para manter as pessoas negras em uma posição inferior.

Por isso, quando usamos expressões racistas como “neguinho acha que...” “dai vem nego falando...” “vários negos...”, normalmente estamos nos referindo a pessoas negras, ou apenas pessoas, que falaram ou fizeram algo errado. Utilizar a palavra “nego” ou “negro” no sentido pejorativo, faz com nosso imaginário social sempre fique condicionada a essa estratégia da colonização.

Bom, essas são 03 expressões racistas que falamos ainda, mas podemos tirar do nosso vocabulário. Ah, esse texto não é para culpabilizar ninguém. Pessoas brancas atualmente não são, sempre, culpadas, mas sim responsáveis pela manutenção da estrutura racista, e mudar isso é se movimentar a apoiar iniciativas e personalidades negras!

Além disso, morar no centro pode ser um primeiro passo para você conhecer a história negra de São Paulo, e assim ir se conscientizando cada vez mais sobre as resistências das pessoas negras. Escrevi um texto sobre 03 lugares que são territórios negros no centro, você pode ler clicando aqui.

Ah, eu amo saber o que você sentiu ao ler o texto, me manda um e-mail? omiobinrin@gmail.com

Quer saber mais sobre o centro, cultura e diversidade? Vêm dar uma olhada nos outros textos do nosso blog!