A história do centro de SP é reflexo direto da história da cidade e parte da história do Brasil. Morar no centro  é estar em contato com isso  a cada esquina. É uma rua, uma praça, uma lojinha, que nos fazem voltar no tempo e experienciar o que nossos ancestrais construíram e deixaram como legado.

O que poucas pessoas sabem, e o que não foi aprendido na escola, é que a grande São Paulo é um território essencialmente indígena e negro. Sim, os povos originários viviam nessa região, e por isso temos lugares chamados: Anhangabaú, Ibirapuera e Ipiranga, e assim vai. E depois, com a vinda dos negros africanos escravizados, a cidade passou a ter não somente nomes negros, mas um novo desenho, e uma energia e história de resistência.

Bairros e prédios históricos que conhecemos, igrejas como a da Sé, foram levantadas por mão negras e indígenas, e encontramos vestígios desses povos na arquitetura, no design, nos desenhos, em cada tijolo colocado nas construções. Por isso, no texto de hoje, quero trazer 03 lugares negros para que você conheça, reverencie sua ancestralidade e perceba que morar e tornar o centro um bairro de moradia, é uma questão de história e respeito.

 

História do centro de SP passa pela Liberdade

Foto: opsfuiviajar.com.br

 Conhecido como o bairro de cultura japonesa, com banco e placas na língua japonesa, feirinhas, templos, restaurantes que reverencia o Japão e as pessoas imigrantes que vieram para o Brasil, a verdadeira história da Liberdade é negra. Inclusive é um encontro bonito do nome com o passado.

Antes de ser um lugar comercial, o Bairro da Liberdade era uma região do Cemitério dos Aflitos, onde eram enterradas pessoas negras, indígenas e enforcados. Chaguinhas antes de se tornar santo, foi morto a pauladas e sepultado nesse cemitério. Os parentes, as pessoas que moravam no território, também negras e indígenas, passaram a acender velas no local, e então surgiu a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados, em 1853. A Capela dos Aflitos também era presença, e nela as pessoas faziam as chamadas “simpatias”, que na verdade são sabedorias populares e antigas, em que colocavam o nome de alguém embaixo de uma madeira e batiam três vezes.

Hoje, há uma luta no campo da lei para a construção do Centro de Referência da Memória Negra Paulistana, tentando impedir obras de cunho comercial na região do cemitério e da capela, onde foram encontradas 09 ossadas negras do século XIX. Além disso, coletivos e membros da Capela dos Aflitos, seguem tentando a restauração do lugar.

O processo de vinda de imigrantes japoneses para São Paulo, e o incentivo para a ocupação do território da Liberdade, uma das primeiras periferias de São Paulo na região central, foi de fundo político: o Estado queria o embranquecimento e o apagamento da cultura negra no local, potencializando assim o enraizamento da cultura nipônica. O que, no final, também faz parte de um processo de resistência, mas aqui é preciso reconhecermos a pluralidade do Bairro da Liberdade e não permitir este apagamento.

Por isso, ao morar no centro e tornar um local mais bairrista, do que comercial, estamos também ajudando na luta do povo negro em trazer essa essencial histórica, cultural e comunitária para a potência econômica do país, que a todo momento procura achatar o que realmente aconteceu no passado, e o que acontece hoje no presente.

Quando ir à Liberdade, não se esqueça que antes de luzinhas japonesas – que são lindas, eu amo – ali tinha um pelourinho, lugar de violência pública dos corpos negros, uma Capela, um cemitério, enfim, toda uma arquitetura que não era apenas de dor e sofrimento, mas também de espiritualidade e resistência.

A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos

Foto: Wesley Yamaguchi

Saindo um pouco da linha azul, estação Liberdade, e indo para linha vermelha, República, vamos revistar a história da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

 Essa igreja fica em frente a Galeria Olido -  um polo cultural importantíssimo pra cultura hip hop – atrás da Galeria do Rock e do Reggae – onde você pode fazer tattos, por piercing e dread num preço camarada. O nome é Largo Paiçandu. Ela é uma construção amarelinha, grande, com um monumento de Mãe Preta na entrada e está no coração da historia do centro de SP.

A igreja reflete uma das facetas da luta negra por dignidade e respeito na cidade de São Paulo, mas também no Brasil. Ela recupera as histórias das irmandades, união de pessoas negras católicas que cultuavam santos católicos unidos com a matriz bantu – um dos povos negros que vieram escravizados pra Américas. Esses cultos e rituais uniam tantos hinos quanto tambores, e são presentes em todo território nacional.

A igreja foi consagrada em 1903, depois que o processo de urbanização do prefeito Antônio Prado demoliu a primeira Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, na região da Praça Antônio Prado. Ela foi construída de forma colaborativa por pessoas negras, entre 1721 e 1722.

As irmandades além de uma forma de resistência, também foram um circuito espiritual negro em São Paulo. A igreja do Paiçandu, é dependente da igreja primeira, a Igreja Paroquial da Santa Efigênia, criada por uma princesa Nubia católica.

A figura da mãe também é importante nessa história. As mulheres pretas, historicamente, lideram e são base familiar de toda a cultura africana. Elas eram também amas-de-leite, e uma das primeiras alfabetizadoras no Brasil. Por isso, a escultura da Mãe Preta enfrente a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, tem um valor simbólico imensurável. A escultura foi feita por Júlio Guerra, em 1955, toda esculpida em bronze.

Vale a pena ir acender uma vela na Igreja e reverenciar quem veio antes, além de conhecer mais profundamente a história da cidade de São Paulo.

 

 

Teatro municipal – uma história em AmarElo

Difícil encontrar alguém que não tenha assistido o filme “AmarElo – é tudo pra ontem”, documentário do cantor e compositor Emicida, em parceria com a Netflix, que recupera a história da carreira do artista, unindo com as lutas das pessoas negras na região central de São Paulo. Isso tudo porque o show do álbum AmarElo, de Emicida, foi no Teatro Municipal, um lugar que no imaginário social sempre foi feito para a elite, mas que na verdade foi erguido por mão negras.

No documentário, Emicida traz a importância de ser um homem negro fazendo um show num palco historicamente reservado para artistas brancos, e que esse movimento seu, fez com que pessoas negras ocupassem a plateia e pudessem se celebrar no Teatro.

As escadarias do Teatro Municipal são palco de muita luta do Movimento Negro Unificado, que resistiu à ditatura, construiu políticas de cotas raciais, passou a lutar contra o genocídio da juventude negra, e gritou para todo o Brasil que pessoas negras sempre se organizaram em prol da liberdade.

O Teatro, projetado por Ramos de Azevedo, faz parte da história do centro de SP e foi inaugurado em 1911. Ele foi palco da Semana de Arte Moderna, em 1922, um marco na arte visual brasileira. O modernismo recuperou a história colonial do Brasil, e de muitas formas, tornou central as heranças de matriz africana e indígenas na nossa cultura.

Alias, já imaginou morar em um prédio projetado pelo Ramos de Azevedo? Vem dar uma olhada na nossa unidade no Palacete Mococa!

Evidentemente, a construção do teatro foi feita a luz da arquitetura europeia e dos desejos da elite de escuta ópera. Tanto é que o primeiro espetáculo foi uma ópera de Hamlet, de Shakespeare. E assim foi se mantendo o racismo estruturante da arquitetura, da cultura e da cidade, fazendo que quem tivesse construído esse monumental importantíssimo para o território, não pudesse entrar ou se apresentar.

Além da AmarElo, que ocupou o Teatro Municipal, tivemos a abertura do Mês do Hip Hop, em 2020, antes da pandemia, com show de figuras negras, indígenas e faveladas importância para a cultura e resistência negra. Um dos shows principais foi de Rincon Sapiência, rapper da zona leste! Mas, o que eu mais amei foi de minha amiga Gabi Nyarai (escuta ela aqui no Spotify!)criadora da Batalha Dominação – tem um texto meu que fala sobre a batalha. A Gabi fez toda a plateia do Teatro – negra e periférica, cantar e dança, exaltado que lugar de preto é também numa casa de ópera.

Quer conhecer mais sobre o centro? Da uma olhada nos outros textos do nosso blog